A donzela quer passar em Economia

Bia Bonduki
4 min readFeb 4, 2021

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Conversando com uma amiga que viveu parte desta história, ela me pediu que eu a transformasse numa fic. O problema é que a realidade é ainda muito melhor que qualquer coisa que minha cabeça pudesse criar. Então, seguem os fatos:

Eu nunca me dei muito bem com números durante a educação básica. Começava expressões negativas e jogava fora o sinal de menos no processo, confundia (confundo) a quantidade de dedos que tenho nas mãos com mais frequência do que gostaria, via a expressão de desgosto na cara do meu pai ao estudar matemática com ele. "Usa essa bunda, Beatriz", ele dizia, apontando para a cabeça.

Meu vestibular não exigiu muito de exatas, então foi uma surpresa bastante desagradável saber que, num curso de Comunicação Social, eu teria que estudar Estatística, Finanças e Economia. E, no meu caso, mais de uma vez.

No fim do primeiro semestre de Economia, eu sabia que tinha bombado, e eu nem podia culpar o professor. Ele era didático, ilustrava tudo com situações corriqueiras, falava que o Brasil era um país onde a geladeira valia mais do que devia, que não sei o quê do índice do Big Mac etc., eu é que não captava as coisas muito bem. E foi por isso que, na hora de pegar minha nota final, eu fui falar com ele munida da arma dos fracos: um farto decote e um beicinho no rosto.

— Professor, eu não acredito que vou ficar de depê… Humpf. Sério?
— Bia, você viu a bosta de prova que você fez?
*Sobe o decote*

O professor Zeca não comia macarrão porque era enrolado. Falava alto, gesticulava muito, não deixava barato. Em classe, ele tava sempre com a aparência de quem fugiu de um assalto — descabelado, camisa empapada de suor, cara de quem viu a morte de perto. As más línguas diziam que ele dava aula completamente cheirado, mas essa eu vou deixar na conta das más línguas. Aparentemente, meu decote não ia fazer muito por mim, então eu tive que engolir em seco e fazer mais um semestre de Economia — e talvez prometer nunca mais usar de sensualidade pra ganhar alguma coisa, tava claro que não funcionava.

No segundo semestre, continuei sem entender picas do que ele falava, e tirei um sinuoso 6 na primeira prova bimestral. O que significava que tirando de 6 pra cima na próxima, tava tudo bem. Mas eu queria realmente aprender a matéria, então, na véspera da prova final, passei um fim de semana estudando na casa do meu tio economista. Saí tinindo, toca po pai! No dia da prova, a decepção: me deu um branco absurdo e eu não conseguia responder nenhuma das questões. Mas eu não ia deixar isso me abalar, ah, não. Respirei fundo e caminhei até a frente da classe com um plano em mente:

— Zeca, é o seguinte: eu estudei pra caralho. Eu juro pra você. Só que eu não tô muito bem e queria saber *voz embargando* se eu podia *inspira forte* fazer *puts já era* a prova substitutiBUÁÁÁ…

Percebendo o vexame que passava, afinal esse choro não era programado, fui imediatamente abraçada pelo professor.

— Para, eu não posso ver mulher chorar. Volta pra sua cadeira e termina a prova, você já passou.

Voltei humilhada, sentindo o peso das risadas contidas do resto da classe. Inclusive da amiga supracitada, que àquela época ainda não era minha amiga — quando nos conhecemos, ela chegou a me perguntar se eu não era "a menina que chorou na prova".

Essa história ficou pra trás até o dia em que eu finalmente fui buscar meu histórico na faculdade e notei que eu tinha passado com média 8, ou seja, ele tinha me dado um 10. Não serei leviana a ponto de dizer que mereci esse 10, até porque não me lembro se terminei a prova. Mas tava lá: média 8.

Anos mais tarde, estava almoçando com meu pai numa conhecida cantina italiana. Pela porta, entram Zeca e Jojó, ambos meus antigos professores de faculdade. Não cruzamos olhares e eles foram se sentar a uma distância média de nós. Abaixei na mesa e cochichei:

— Pai, caralho, cê não sabe, lembra daquela vez que eu chorei no meio da prova de Economia?
— Sei.
— Então, aquele era o professor. Que mico! Ainda bem que ele não me viu.

Minha mãe me ensinou que é falta de educação continuar conversando enquanto é servido pelo garçom, mas naquele momento o timing era importante. Bom, pau no meu cu por não ouvir minha mãe, porque o garçom ouviu minha história e:

— Peraí, cê foi aluna do Zeca? Porra, Zeca é meu amigo de pelada desde os tempos do Rio de Janeiro, a gente se conhece de molequÔ ZECA! Olha aqui a menina dizendo que foi sua aluna!

Dividida entre me afundar na cadeira e superar a situação, dei um tchauzinho tímido e garanti que Zeca não fazia ideia de quem eu era. Já Jojó deu uma pescoçada, mas me escondi na silhueta do meu pai. (Jojó não seria louco de reacender a memória de quando ele insistentemente me chamava pra sair prum barzinho, conversar, eu te busco, quando eu tinha 18 anos e ele uns 45.)

Não sei mais nada do Zeca, nem se ainda é vivo. E não me arrisco a perguntar nem procurar nas redes sociais. Deixa a memória dele ser ocupada de Índice Big Mac.

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