A história oral do meu envolvimento com movimentos desconhecidos

Nomes de movimentos e personagens foram alterados pra evitar a famosa encheção de saco.
Acho que eu já comentei algumas vezes como sou obediente. Irritantemente obediente. Ando tratando disso.
Em 2013, eu frequentava um negócio chamado Clube das Deusas, e eu vou tentar não me alongar muito na explicação — afinal o próprio já rende muita história pra contar. Eu ia semanalmente numa esteticista que fazia desde drenagem linfática e depilação a aplicação de reiki e leitura de tarô cigano. Ela mesma era descendente de ciganos, criada no Nordeste do Brasil, e que fugiu de seu bando depois de ser prometida a um fazendeiro com idade para ser seu pai. Essa era Celita e esse era o seu clube.
Um dia ela foi lá em casa me fazer uma massagem, e deixou escapar:
— Nossa, sua casa tá com espírito obsessor.
Você duvida quando uma cigana te diz isso? Eu não arriscaria. Ela então sugeriu que eu passasse uns dados pra ela, coisa de data de nascimento e horário, que ela iria num lugar para rezar e tirar o espírito obsessor da minha casa. Passei.
Umas semanas mais tarde, ela voltou com a notícia:
— Olha, você vai ter que ir lá porque não é só sua casa que tá com espírito obsessor, você também tá. Seguinte, leva esse papel aqui que eles vão te passar uma série de tratamentos espirituais pra fazer lá no centro.

Como eu sou obediente, eu fui. Tomei o metrô em direção à Zona Norte e acabei num galpão onde ficava o M-ovimento C-onsciência S-uprema U-na. Só Deus sabe o tempo que eu levei pra decorar esse nome.
Fui num sábado à tarde. Chegando lá, lembro de olhar os quadros dispostos na parede e ver de tudo: tinha deidade hindu, Saint Germain, Orixás, Buda, Jesus, Chico Xavier e a própria mestra do movimento, com suas palmas iluminadas viradas para nós num retrato que parecia antigo. E tinha também uma conveniente lojinha de artigos esotéricos.
Fiquei horas esperando me chamarem, a fila era imensa. Finalmente fui informada de que precisaria fazer 12 sessões de desobsessão, mais uma de transmutação e tomar passe ao final de cada uma delas. Cada sessão era semanal, então pelos próximos três meses eu estaria comprometida com o afastamento desses espíritos do meu corpo e casa.
O tratamento requeria dedicação, e por todo esse tempo eu fui todas as segundas-feiras, sem faltar, pra entrar numa salinha, dar as mãos para uma pessoa de colete, manter os pés paralelos no chão e me balançar enquanto a pessoa à minha frente gritava palavras que me lembravam ESPÍRITOS DO MAL TRANSFORME ESSA FORMA DECADENTE EM MUM RA pro suposto ectoplasma que me habitava. Preciso afirmar: eu saía de lá diferente. Melhor? Acho que sim. Depois descia as escadas e ia tomar um passe antes de ir embora.
Teve uma vez que o pai de santo falou algo que eu não entendi, sobre olhar as meninas, "não pode olhar as meninas", aí o intérprete dele me perguntou:
— Tem garota de programa perto da sua casa?
— Sim, ficam na esquina.
— Ele quer que você pare de ficar olhando pra elas.
De fato, eu pasmava nelas na tentativa de aprender um pouco daquele jogo de sedução.
Teve um sábado que eu fui pra lá de carro, e quando saí tive um apagão no meio da rotatória do Campo de Marte. Até hoje não sei o que aconteceu, mas de repente eu tava num lugar que eu não sabia onde ficava. Parei o carro, abri o mapa no celular e percebi que tinha dado um quarto de volta a mais na rotatória, enquanto minha cabeça esvaziou. Gosto de acreditar que foi obra do espírito, puto que eu tava tentado botar ele pra fora.
Bom, e assim eu fui até o final do tratamento. Na época, meu pai, espírita, ficou bravo comigo e me mandou parar de ir nesse negócio porque eles estavam me cobrando pelo material de um dos tratamentos (era uma vela, sabe, custava R$ 12). Também tinha um rapaz que eu tava ficando que achou que, por eu frequentar esse lugar, eu poderia começar a frequentar a igreja evangélica dos pais dele, e eu tive que pôr um limite. Teve a vez que levei minha mãe comigo e ela morreu de tédio, pois muito cética.
Quando cheguei ao final do tratamento, ia ter um dia especial pra gente "entregar" nossos espíritos, digamos assim. Lembro que me deram um ramo de flor e falaram pra botar embaixo do colchão, dormir em cima dela e levar de volta na data combinada. Voltei no dia seguinte ao meu aniversário de 33 anos pra saber se o tratamento tinha dado resultado.
Uma cerimônia aconteceu, com etapas e bênçãos e coisas que eu nem lembro com detalhes, mas era diferente do que estava acostumada. Finalmente, veio uma assistente me dar um feedback sobre os espíritos obsessores, e ela me contou:
— Você tava com dois espíritos, dois homens que morreram em situações violentas. Um numa briga de bar, outro depois de um assalto, fugindo de moto. — Ah, mas é claro que meus inquilinos iam ser do mais nobre quilate!
E ela não tinha terminado:
— Mas agora é o seguinte, você tá com a pombagira. Você vai ter que voltar aqui pra fazer outro tratamento.
— Ah, é? E quanto tempo dura?
— O mesmo tempo que esse levou, é desobsessão.
Fiz que entendi, recolhi minhas coisas, tomei meu último passe e fui embora pra nunca mais voltar. Concluí que de pombagira eu conseguia dar conta. Aquele lugar ficava muito longe e o hype da experiência já tinha passado.