Apeidicite

Bia Bonduki
5 min readJun 19, 2019

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Foi numa sexta-feira de uma época bem-vivida: não trabalhava, tinha dinheiro e tempo aos montes. Uma amiga levou um pé na bunda e me convidou para beber numa padaria, na tentativa de esquecer o que passou.

Chegamos na hora do almoço e lá ficamos. Baldinho de cerveja na mesa, alguma comida nos pratos —comer não era o principal. Veio uma outra amiga ajudar no processo de consolação, mais cerveja no baldinho. Engraçado pensar, hoje, na conta que pagamos nesse dia. Mas, enfim, isso não é importante. Só sei que passamos a tarde bebendo.

Certa hora, meu celular tocou. Era o rapaz com quem eu estava saindo me convidando para fazer algo mais tarde. Não tinha planos específicos, afinal sabíamos que o programa principal era transar, e o que viesse antes seria só um aperitivo.

Perto da hora combinada, corri para a casa do amigo que me hospedava (na época eu morava no interior) para tomar banho e me arrumar. Lembro de encontrar os pais dele jantando e eles me convidarem para me juntar à mesa, mas eu, ainda bêbada e morta de fome, estava atrasada. A essa altura, os baldes de cerveja já se fermentavam numa breve azia.

O cara passou para me pegar e seguimos para encontrar amigos do trabalho dele numa churrascaria. Eu já sabia bem que, se jantasse churrasco, independente da fome de leão que me acometia, ninguém ia transar naquela noite; no máximo, usar as acomodações do motel para dormir de barriga pra cima. E, também, o lugar não aceitava cartão, então tinha mais um motivo pra permanecer com fome e tentar tapear meu estômago com mais cerveja.

Numa hora que demorou uma eternidade para chegar, fomos embora da churrascaria em direção a uma pizzaria. Lá, eu não sei por que motivo, talvez a fome avassaladora, pedimos uma pizza coberta de alho frito.

Ok, você já deve estar imaginando a festa que acontecia no meu sistema digestivo a essa altura do campeonato. Litros de cerveja, jejum forçado, um pouco de azia, nervosismo romântico, mais cerveja e, por cima de tudo, alho frito? Meu estômago parecia a propaganda da D.D. Drin.

Referência para os millennials: propaganda da D.D.Drin

Após esse banquete mortal, finalmente nos dirigimos para o motel, onde fizemos bastante folia e fomos dormir. Se por fora eu ostentava uma expressão satisfeita, por dentro eu era um balão de hélio. Esperei o rapaz pegar no sono e fui ao banheiro com o propósito de me, hum, esvaziar.

SÓ QUE A PORCARIA DA PORTA DO BANHEIRO ERA DE VIDRO, e quem não me conhece não sabe que eu sou uma das pessoas mais intestinalmente envergonhadas do Brasil. O cara acordar e pensar que estou fazendo um xixizinho no banheiro? Ok. Número dois? Nem morta! Peidando, então, é uma realidade que eu não gostaria de encarar tão cedo.

Eu acho extremamente evoluído — porém um tanto porco — o casal que compartilha funções corporais, que faz piada com o fato do outro ter que se aliviar após uma feijoada completa, que compete pra ver quem está mais podre por dentro. No meu último namoro, eu botava os fones do meu iPod nos ouvidos do consorte e mandava ele abstrair por alguns minutos, que eu já voltava. Teve um outro namorado que perguntou se eu tava “com o charuto no beiço” e a gente terminou, juro, no dia seguinte. Lembro até hoje com certa tristeza da vez que fui abraçar um terceiro rapaz e ele avisou:

— Espera um pouco que eu acabei de peidar.

Isto posto, é claro que eu não consegui liberar espaço algum dentro do meu ser, mesmo o acompanhante estando desmaiado no quarto ao lado. Respirei fundo, voltei pra cama e tive uma noite de sono péssima, o alho frito pegando fogo no meu estômago. No dia seguinte, temendo as duas horas de viagem para voltar para minha cidade, pedi que ele me deixasse na casa de um amigo bem próximo.

Sim, eu tinha um motivo para isso: seria na casa do meu amigo que eu poderia peidar até nada mais me incomodar. Tanto que atravessei a porta quase que levantando o vestido, esquecendo completamente que ele morava com os pais. E, quando pedi licença para usar o banheiro, não imaginava que o pai dele fosse ficar fazendo não sei o quê na área de serviço, para onde a janela do lavabo dava. Ou seja: não foi dessa vez. No entanto, fiquei para almoçar um delicioso arroz de polvo.

Já conformada com o fato de que levaria meus gases comigo até o interior, me despedi e segui para a rodoviária, onde uma ânsia de vômito me impediu de chegar no guichê da viação. Orientada por um segurança muito solícito, vomitei dentro de uma lixeira. Este foi um dos pontos mais baixos de toda a minha vida. Sentido dores, vomitada e sem saber muito mais o que fazer, liguei pro meu pai lá no interior, que ligou pro meu tio da cidade, que foi me apanhar na rodoviária e me levar prum pronto-socorro.

Uma breve informação familiar: nunca, em momento algum, um tio meu vai te buscar porque você passou mal sem avisar a todo o resto da família. Tanto que, ao chegar no hospital, minha tia e mais dois casais de parentes me aguardavam. Acho que estraguei um almoço de sábado.

Na triagem, tive que explicar o que acontecia comigo. “Sinto uma dor muito forte aqui do lado direito da barriga, mal consigo ficar reta”. Se eu falei que estava tentando peidar desde a noite passada? Claro que não! Fui internada com suspeita de apendicite, e levada para fazer um ultrassom. Confesso que, depois de tanto sofrimento, folgava em saber que podia ser algo grave. Até que o resultado do ultrassom mostrou que não, que era só uma gastrite acompanhada de gases. E lá fui eu tomar omeprazol com dramin e simeticona na veia.

Saí tarde do hospital e fui hospedada por minha tia, com direito a sopinha de legumes de jantar. No dia seguinte, tomei o ônibus e voltei pra casa, de onde prometi não sair mais pelo próximo mês.

Entrei no MSN e chamei a amiga do pé na bunda para contar como tinha sido meu fim de semana:

— Você não acredita, fui internada com suspeita de apendicite.

— Aí era peido e não precisou operar.

— Uai, como você sabe?

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Bia Bonduki
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