De porquinho

Bia Bonduki
3 min readSep 1, 2021

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Acho que eu te abraço toda vez que nos encontramos porque no fundo eu me sinto mal. Você tinha 13 anos e um namorado que já era pai; eu tinha 17 e um juízo liliputiano. Eu também tinha namorado, mas foi por causa dele que eu ouvi a expressão "chinelo velho para pé cansado" pela primeira vez. Então, quando o seu namorado cochichou alguma coisa no meu ouvido na saída daquela festa — festa essa que passei tomando shots de tequila e espremendo limão no rosto dos outros — eu não pensei duas vezes e falei a frase-chave de quem quer algo a mais: "me dá carona pra casa?"

Ele prontamente concordou, embora fosse ser levado por um amigo. E eu convidei meu namoradinho pra ir junto, oras, era uma carona! Independente do carro do amigo estar estacionado exatamente na porta da casa do meu namorado e eu morar a exatos dois quarteirões dali, a gente precisava aproveitar. O namoradinho foi ficando para trás no portão da casa dele, eu fui entrando no carro espremida entre tantos marmanjos e esse poderia ser o começo de um boletim de ocorrência. Saltamos na porta da casa do seu namorado, a dois bairros de distância do meu, sob a promessa dele pegar o carro e me levar de volta. Eu só precisava entrar por um minutinho.

No quarto dos pais dele, encostada contra um colchão apoiado na parede, ele me deu um dos melhores beijos da minha vida. Sempre paro para pensar como os beijos mais errados e proibidos que dei foram também os mais memoráveis. Só que ele já era pai, a dinâmica de sedução dele era diferente da minha, e eu tive que me fazer ouvir de algum jeito. Nesse momento, pensei em você. Uma menina de 13 anos, bobona, como será que ela fazia para sair dessa dinâmica — saía ou cedia? Ele me entendeu, mas à revelia. Foi para a cozinha, ferveu duas salsichas, comeu um cachorro-quente com uma expressão visivelmente mal-humorada e saiu para me levar. Ele estava sem carro, tinha mentido para mim.

Me jogou sobre os ombros como quem carrega um animal ou um cadáver e andou comigo assim até a praça mais próxima. De lá, como o sol já aparecia no horizonte, me pôs no chão e falou pra eu seguir andando sozinha. Por sorte, usava sandálias de salto grosso, que garantiriam que eu pudesse correr caso minha regata de um ombro só e minha minissaia de couro me traíssem aos olhos de um passante. Cheguei em casa e fui dormir sem querer processar nada do que havia acontecido.

Acordei com o seu telefonema. "Fudeu", pensei, imaginando um desenrolar da história em que eu me sentiria culpada por ter tirado o doce de uma criança.

— Vamos tomar um sorvete? — você me convidou, e eu aceitei por misericórdia.

Sentadas na mureta da sorveteria, você esperava ele passar de carro com os amigos e te levar para dar uma volta. Não estava atendendo suas ligações, andava estranho. Cada vez que você se referia a ele, era como se pusessem mais uma moeda no cofrinho Boca Rica do meu remorso, e ele estava prestes a explodir.

A história morreu como começou, não durou nem 24 horas. Eu voltei para minha casa, você para sua, mantivemos nossa amizade e eu nunca mais falei com ele. Eventualmente, vocês romperam. Ainda assim, continuarei te abraçando toda vez que te vir, até sentir que alcancei um sentimento de perdão.

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Bia Bonduki
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