Eu lembro do dia em que ele apareceu na cerca da piscina onde eu treinava natação, e todo mundo se aproximou uma hora ou outra pra conversar. Não era um rapaz bonito, mas era novidade, nunca tinha visto ele por lá. Era irmão mais velho de um colega de equipe e colega de classe de outros amigos. Curiosa, fui participar da aglomeração.
Meses mais tarde, éramos amigos. Amigos de ir em festas de aniversário, dançar junto na matinê, andar abraçado. Eu tinha passado o último ano dedicando todos os meus suspiros a um cara do terceiro colegial que fazia pouco da minha existência. Será que amor era isso, ficar com dor de barriga pelo menino mais bonito da escola, enquanto ele mal sabe o seu nome? Numa ligação para uma amiga mais velha, deixei escapar que estava interessada no Cara da Cerca. Na minha cabeça, talvez fosse aquilo mesmo: a gente fica com o que dá pra ficar. E ele tava logo ali.
Não demorou pra gente se encontrar e acabar ficando. O beijo, bem, eu não tinha base de comparação. Era babado, tinha cheiro de saliva seca. Ele perguntou se eu tinha gostado e eu dei de ombros sem conseguir ao menos ser diplomática. Nessa mesma noite, o Cara do Terceiro Colegial veio fazer uma gracinha com a gente, do tipo "você jogou fora nossos anos de relacionamento". Bem coisa de homem que sabe que é gato e não tolera perder audiência. Palhaço.
No dia seguinte, lá estava o Cara da Cerca me esperando na piscina, um presente em mãos. Me pediu em namoro e eu aceitei. Nem pedi tempo pra pensar, não era como se eu tivesse milhares de opções ao meu redor. Eu me achava feia, bobona, então era ele ou mais alguns anos de desprezo do Cara do Terceiro Colegial. Foi ele.
Confesso ter gostado de entrar para o mundo das meninas que namoram. Até então, eu era a menina que sonhava em namorar, e desde o meu début tudo vinha sendo como eu imaginava ser. Passava o recreio repetindo e enfiando o nome dele em tudo quanto era assunto. Era muito legal falar no plural. Graças a ele, eu podia sair muito mais do que de costume. Eu tinha companhia o tempo todo, eu passeava, eu recebia visitas, a gente organizava fondues de casal.
Apesar da companhia constante, a gente não compartilhava do mesmo gosto pra nada, e olha que gosto musical era item definitivo na sintonia dos casais da época. Ele nem devia saber o que era arte, a família dele era composta de broncos gritões. Uma vez me escreveu uma carta com uma letra de música cafona e erótica, mas eu queimei a carta e agora não lembro de quem era, mas era um negócio horrível. Levei anos pra saber que admiração era ingrediente para se apaixonar.
Eu lembro dos engulhos que passei a sentir quando o via, logo no primeiro mês de namoro. Ele se vestia muito mal, ainda pior quando tentava se vestir bem. Ele ria escandalosamente. Ele tinha uma mania de apontar pra cara dos outros que me tirava do sério. Quando ele falava, sempre muito alto, a baba se acumulava nos cantos da boca, ficando branca. Ele tinha estudado com uma leva de caras da cidade, mas dava pra notar que foi o esparro da galera. Ele já tinha sido bem babaca com conhecidas minhas, feito muita fofoca. Ele só era legal mesmo na cerca da piscina.
Uma hora, os desentendimentos começaram. Não precisa ser experiente em relacionamento pra saber no que ele foi se tornando: possessivo, ciumento, desesperado. Por sorte, naquela época a internet não era para todos, redes sociais ainda não existiam. Ainda assim, ele conseguia armar esquemas com minhas amigas mais frágeis para escutar conversas nossas pela extensão. Numa dessas situações, confessei para minha amiga estar desanimada com o namoro e ele interrompeu a conversa aflito, gritando inconformado. Hoje eu diria: quem procura, acha. Mas, adolescente, me senti ingrata por não querer mais aquele namoro tão perfeito aos olhos de… não sei de quem.
Ali foi o começo do fim, um fim que nunca vinha, pois eu insistia em ouvir os outros. Todo mundo tinha palpite pra dar, todo mundo tinha uma chance pra pedir. "É o amor da sua vida, vocês ainda são jovens". Por muito tempo eu achei que fosse, mesmo. Depois apareceu um outro que eu também achei que seria obrigatório, por conta das circunstâncias, ser o amor da minha vida. E nem esse foi. Hoje eu chamo de Amor da Minha Vida um corotezinho que eu nem cheguei a namorar, só pelo deboche.
Enfim, terminamos. Precisei passar por inúmeros pedidos de tempo, uma tentativa de estupro, uma série de maracutaias para fazer com que eu não ficasse com alguém novo, escândalos envolvendo gente que não tinha nada a ver com isso. Vendo hoje, foi como atravessar uma teia de aranha na floresta e passar muito tempo puxando os fios até que todos saíssem. Nada me segurou ali, e se eu tivesse continuado a ouvir os outros, eu estaria casada com esse péssimo exemplar de ser-humano.
Precisei escrever esses parágrafos pra exorcizar os demônios que acompanhavam essa história. Por muito tempo eu dei importância demais pra algo que durou um ano e meio, se muito. Tinha que tirar essa pecha de "história de amor", rasgar as fotos, picar as memórias (isso eu fiz no ano seguinte), porque aquilo não foi amor. Foi comodidade de um lado, obsessão do outro. Eu estou livre de tudo o que me aconteceu, inclusive das cicatrizes que essa bobagem me deixou.