Eu Penso Muito Nisso — Aforismos de Marcos, o agressor de mulheres

Esta é uma cópia descarada de uma das minhas seções favoritas do The Cut, I Think About This a Lot.

Bia Bonduki
3 min readAug 2, 2021
Lembra em 2003 quando a Vênus Platinada DEU IDEIA?

Graças a um serviço de streaming do qual não farei propaganda, pude retomar a prática de Assistir Novelas Para Suportar o Fim dos Dias. E a novela que inaugurou esse hobby é a mesma que estou revendo no momento: Mulheres Apaixonadas.

O folhetim foi exibido pela primeira vez durante o meu último ano de faculdade, em 2003, quando estava ocupada com o trabalho de conclusão de curso — um inferno pessoal que temi pelos três anos anteriores e levei algum tempo para me recuperar. Estava, também, adentrando o mundo dos empregos de verdade, em oposição aos estágios molezinha que havia feito até então. Meses mais tarde, debutei no grupo das pessoas com depressão.

Mulheres Apaixonadas era a melhor das fugas naquele período, e eu me perdia nas narrativas de mulheres que, hum, eram apaixonadas, de acordo com a definição extremamente pessoal de Manoel Carlos tanto para "mulheres" quanto "apaixonadas".

Uma das coisas que ficou na minha cabeça pelos últimos 18 anos foi uma cena em que Marcos (Dan Stulbach) filosofa sobre o poder de um olhar.

A cena é assim:

Raquel está deitada na cama, olhando para o nada. Marcos está no banheiro da suíte terminando de escovar os dentes. Quando ele apaga a luz e entra no quarto, falando com Raquel, ela finge que está dormindo pesado. Ele ri e se aproxima, olhando fixamente para ela, até que ela abre os olhos.

— É. Ninguém resiste a um olhar fixo, forte, interessado. Pode reparar: na rua, por exemplo, se você olhar fixamente pra nuca de alguém que tá na tua frente, certamente essa pessoa vai se virar, olhar pra você. Ninguém resiste a um olhar fixo — fala enquanto paira a mão sobre o rosto assustado de Raquel — principalmente a um olhar apaixonado.

Ele segue filosofando, no que parece um compilado de aforismos sobre o tema "olhos" do site Pensador:

— Alguém já disse que os olhos são a janela da alma, captam tudo, sentem tudo. Escondem e revelam tudo. Até a beleza tá nos olhos de quem vê. Fechamos os olhos nos momentos de dor, nos momentos de medo e também nos momentos de prazer…

O que ele faz em seguida com ela não é digno de descrição, e eu preferia pular as partes que me incomodam nesse enredo, como todas as com o Marcos. Mas aí eu vou ter que ser coerente e pular quase todas as cenas da novela, com raras exceções, já que a trama envelheceu muito mal nessas quase duas décadas.

Voltando ao Marcos, lembro de ouvir essa bobagem e considerar pôr em prática o olhar que desperta os mortos, de preferência em restaurantes, tentando fazer com que os garçons respondessem ao chamado do olho de Thundera. Nunca funcionou. Tentei também, sem sucesso, acordar consortes dorminhocos com o poder do olhar fixo, o que deve ter me garantido a pecha de Mulher Maluca. Esse papo do Marcos era pura balela, assim como boa parte das teorias dessa novela — principalmente as proferidas pela insuportável Lorena (Susana Vieira).

Preciso fazer mais duas observações sobre Mulheres Apaixonadas:

  • O ator que fez Marcos era diretor da trupe teatral da minha faculdade, e quando tentei me integrar ao grupo (eu tinha 18 anos, me deixa!), lembro dele anotar meu celular numa agenda eletrônica e nunca mais fazer contato. Bom pra mim, que nunca mais fiz teatro, e ruim pra ele, que não pôde ser referido por mim nas rodas de amigos como "foi meu mentor na 5ª arte".
  • Considerei, dadas as circunstâncias da época, me juntar ao M.A.D.A., Mulheres que Amam Demais Anônimas. Tinha certeza que era o caso. Hoje, entendo o desespero e acredito que o melhor para mim teria sido fazer parte do Mulheres Que Não Se Amam o Suficiente Anônimas.

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