Marketing Multinível: Eu Fui
Se eu pudesse te dar um conselho, ele seria “nunca fique tão pobre a ponto de aceitar qualquer coisa”.
Naquela semana eu tinha estourado o limite do meu desespero: minha chinela soltou as tiras, comprei salsicha a granel no supermercado e reaproveitei saquinhos de ziploc. Caco Anthibes me desprezaria.
Ao mesmo tempo em que eu começava meu negócio, parecia que quanto mais eu trabalhava, mais meu dinheiro ia embora. E não era uma reação incompreensível, pelo menos disso eu sabia. Quanto mais eu trabalhava, mais eu queria me recompensar por ter trabalhado. Portanto, mais pobre eu ficava. Então eu resolvi que iria pegar mais trabalhos. Pra seguir me recompensando. Bom, você entendeu.
Eu fazia parte de um grupo de apoio para mulheres no Facebook, onde participava de eventos, conhecia e trocava experiências com pessoas que também tentavam começar um negócio, indicava e recebia ofertas de freelas que apareciam. E foi assim que me joguei de cabeça quando vi o anúncio que dizia:
Preciso de mulheres que gostem de se comunicar para realizar trabalho em casa.
Aquele anúncio era eu todinha. Avaliei a contratante: tínhamos amigos e ex-empregadores em comum, vai ver era uma agência precisando de freela. Logo ela me respondeu, marcando um encontro num endereço em Pinheiros.
Eu não sou muito de ficar pensando nas coisas, pelo menos naquelas que deveriam ser pensadas com mais cuidado, mas dessa vez eu tinha tempo livre pra refletir. Lembro de, no banho, me aprontando para encontrá-la, imaginar:
— Engraçado, ela não mencionou nada do trabalho… Já pensou eu chego lá e é coisa de Kary May? — ri comigo mesma, pensando no absurdo.
Aí eu cheguei no prédio e subi no andar indicado. O lugar era tipo uma loja, com estantes repletas de produtos de uma marca que eu já tinha ouvido falar, mas sabia pouco. Produtos assim, populares, embalados numa pretensa sofisticação. Me mostraram uma sala, onde outras moças já estavam sentadas em cadeiras dispostas como se fôssemos assistir a uma palestra, e foi aí que senti o peso das orelhas muares na minha cabeça: era esquema pirâmide sim senhor.
Costumo ficar nas roubadas até o fim, sejam elas relacionamentos, reuniões ou apresentações teatrais. Ouvi tudo o que a moça tinha a dizer. “Sim, precisa de um investimento”, mas o que é esse investimento perto das dezenas de milhares que ganharíamos por mês? Ela mesma já estava num nível que poderia ganhar R$ 80 mil por mês.
— Mas você já ganha tudo isso? perguntei
— Ah, er, hm, ainda não, mas logo vou ganhar. — ela só faltou tossir.
— Isso aí não é esquema pirâmide? — lançou outra moça, visivelmente impaciente.
— O nome correto é marketing multinível.
Fui embora de lá sem nem trazer comigo os panfletos e nem prometer “pensar a respeito”. Que humilhação, sabe? Ainda bem que tinha ido de ônibus e ainda dava pra voltar dentro do prazo do Bilhete Único.
Eu não me lembro como foi aquela noite, mas posso afirmar com certeza que pedi um delivery bem caro pra compensar aquela frustração.