Mata-me (de constrangimento)
Uma certeza que pais têm é de que cedo ou tarde chega a hora de explicar pros filhos de onde nós viemos. Aqui em casa essa conversa veio junto ao anúncio de que eu me tornaria irmã mais velha:
— O papai deu uma sementinha pra mamãe e ela cresceu na barriga, se transformando na sua irmã.
Isso resultou numa criança acreditando por muito tempo que meu pai tinha apanhado um caroço de uma planta frutífera e dado pra minha mãe, que comeu, ficando assim grávida.
(Teve também a vez que me falaram que meu amigo Giuliano ia “ganhar um irmãozinho” e eu imaginei uma caixa enorme com um boneco vestido de fazendeiro, afinal meu amigo morava no sítio, e aquele seria o irmãozinho que ele iria ganhar, mas são apenas digressões.)
Voltando ao assunto, em casa as coisas sempre foram muito explicadas, desenhadas, colocadas em gráficos para que não nos restassem dúvidas. Às vezes, restavam. Quando tive meu primeiro cravinho no nariz, que eu descobri na aula de balé e contei com a ajuda da professora para espremê-lo, minha mãe fez um desenho da pele vista em camadas de derme e epiderme, com poros se enchendo de sujeira e entrando em erupção na forma de espinha, para explicar a importância de não cravar as unhas na acne. Eu entendi tudo, mas a tentação de espremer aqueles pontinhos me acompanha até hoje.
Lá pelos 10, 11 anos, foi a vez de acompanhar o desenho do útero e seus amigos ovários. Tudo para me preparar pro que viria: eles entrando em atividade e os efeitos colaterais que vinham no pacote.
Claro que eu também tive acesso aos livros "De Onde Viemos" e "O Que Está Acontecendo Comigo?", mas a possibilidade de piadas que aquilo rendia era muito maior do que a sede de conhecimento.
Até que chegaram os 14 anos, e com eles o primeiro beijo, do primeiro namorado. Impaciente, minha mãe já entrou no aquecimento para em breve me explicar "minha primeira vez", que na cabeça dela poderia acontecer a qualquer momento. Pra tristeza dela, eu tinha mais interesse em poder ficar na balada além das 22h30 do que em me deitar com o meu parceiro. Prioridades no lugar, eu diria.
Mesmo assim, ela dava um jeito de entrar no assunto, pro meu desgosto. Ugh, pinto. Como assim, bota lá? E lá também? Que horror! Piorando a situação, tinha acabado de viver na escola a experiência constrangedora de ter uma professora de Educação Física se metendo a dar aula de Educação Sexual, afirmando que sexo anal engravidava e, diante da minha correção, afinal eu não era TÃO ignorante assim, me retrucar dizendo que talvez eu andasse praticando bastante. Nossa, foi um rebu.
Certo dia eu voltei da aula e, como de costume, esquentei meu almoço e fui comer na frente da televisão. Minha mãe tinha alugado um filme com o Lindjo, alcunha dada lá em casa para o Antonio Banderas, e precisava me mostrar uma cena. O filme era Ata-me!, e, se você já o assistiu e chegou até esta parte do texto, já pode imaginar qual cena era.
— Mãe, como assim? QUE NOJO!
— Filha, esta é uma cena REAL de sexo…
— TIRA PELO AMOR DE DEUS CREDO
— Você precisa saber reconhecer uma…
— AAAAAAAAAA
Sabe, eu até entendo as intenções. Mas, porra, eu tinha 14 anos. Sexo, pra mim, era aquela coisa que passava na Band às sextas-feiras, em que a moça senta no umbigo do cara e sacode os peitões repetindo "Oh, meu Deus. Oh, meu Deus". Fiquei ainda mais horrorizada com a possibilidade de sexo real envolver um Antonio Banderas machucado com as veias do pescoço todas saltadas (evidência apontada para concluir que aquilo era de verdade).
Fui me envolver com essas coisas de transar anos mais tarde, quando essa memória perdeu sua força.