Noite de superstição

Bia Bonduki
3 min readJun 24, 2019

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24 de abril de 1999, lembro até hoje. Foi um sábado normal, com altas expectativas do que aconteceria à noite. Passados 20 anos, é claro que não me lembro mais o que fiz durante o dia, mas o que importa é o que aconteceu a partir do momento em que passei a me arrumar para sair.

Eu não tinha namorado fixo, mas saía havia algum tempo com um rapaz local. Nosso esquema era sempre o mesmo: nos víamos em alguma festa e ficávamos, sem trocar telefonemas nem combinar de se ver em dias de semana. A bem da verdade, nós pouco conversávamos — nosso objetivo era terminar as noites dando um malho no carro dele, às margens do ribeirão do Manduca. Porém, nesse sábado, ficamos de nos encontrar mais cedo para ele me vender o ingresso da festa da qual era promoter. Ou seja, nessa noite daríamos um passo à frente no nosso quase inexistente relacionamento.

Perto da hora combinada, comecei a me arrumar. E foi numa tentativa de ajeitar as sobrancelhas que apoiei um espelhinho cor-de-laranja nas ferragens das portas do armário, para depois esquecer o que tinha feito, tentar abrir o armário e acabar esmigalhando o objeto.

Aquele era o primeiro espelho que eu quebrava, e por isso não sabia o que me aconteceria a partir dali. Nunca havia passado embaixo de escada, nunca tive meu caminho cruzado por um gato preto; que má sorte me aguardava no futuro? Continuei me arrumando e, pronta, fui para a casa de uma amiga, na mesma praça.

Lá, ligamos para o rapaz e logo ele apareceu para nos trazer os ingressos. Impus que eu abriria a porta, pois era eu a ficante/contratante do serviço de entrega (essa amiga tinha um quê de ladra de protagonismo, digamos assim), e lá fui eu, vestida no meu terninho cinza claro com uma blusa de paetês por baixo e sandálias altas de tira fina nos pés, jogar meu charme e garantir a ficada da noite com o meu agroboy. Abri a porta, nos cumprimentamos e, no meio da conversa, eis que uma estrela cadente passa por cima da cabeça dele.

Pirilililim

Não pude conter minha surpresa, afinal eu também nunca havia visto uma estrela cadente na vida, e falei pra ele:

— Olha! Faz um pedido! — enquanto eu mesma mentalizava “que a noite de hoje seja boa”.

Ele riu meio sem entender e se despediu. Voltei pra dentro pensando na dualidade de crendices que me ocorreram naquela última hora: um espelho quebrado e uma estrela cadente.

Terminei a noite com esse mesmo rapaz, num motel nos arrabaldes da cidade, desses com propaganda de posto estampada nos lençóis, perdendo minha tão preciosa virgindade.

Até hoje não sei dizer se foi o espelho quebrado ou a estrela cadente que me proporcionou essa experiência.

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