O calvário para caber nas calças, sejam elas do número que for

Bia Bonduki
7 min readSep 28, 2017

2002

Esta é uma história de uma mulher que passou boa parte da vida sem se preocupar com o próprio corpo. Que na infância dançava em frente a uma porta larga de blindex, e preferia o reflexo da esquerda pois nele ficava com coxas mais grossas. Que sempre foi atlética, rápida, ágil, leve, até que deixou de ser.

60kg
Tudo começou quando eu voltei de uma temporada nos Estados Unidos. Passei quatro meses vivendo the land of milk and honey, numa cidade coberta de neve, comendo tudo o que tinha direito. Criei rituais: a contagem de dinheiro do caixa da loja, em dias de ressaca, era feita ao sabor de chocolate quente e croissant de presunto e queijo. A leitura da People semanal era acompanhada de um saco de tortillas retangulares e uma lata de dip de queijo cheddar. Não tinha um lugar naquela cidade onde a comida fosse mais ou menos, e minhas refeições eram sempre muito saborosas.

2006

Nessa mesma época, meu corpo começou a mudar — estava com 26 anos, os quadris e os seios foram aumentando, e eu passei a ser mais curvilínea. As curvas, em si, não me incomodavam, mas a mudança no valor do peso e aos olhos dos outros, principalmente, me gritou “dieta!”. Entrei na hidroginástica, comecei a fazer caminhadas, tomei uns chás malucos e me chateei muito ao notar que as roupas não serviam mais como antes. Em momento algum pensei que pudesse ser por conta do corpo “adulto”.

65kg
Voltei a morar em São Paulo, e a me preocupar constantemente com minha imagem. Entrei numa academia para mulheres, passei numa nutricionista, andava metade do caminho até o trabalho. Namorava um ex-atleta, que, àquela altura, me motivava bastante nas decisões. Mas aí veio uma demissão injusta, um processo trabalhista, um momento de indecisão na vida, e com isso o eterno delivery do McDonald’s. Eu estava triste, eu merecia. As pizzas, também. Descia diariamente na padaria ao lado do prédio pra tomar um café com leite e comer um pão com requeijão. Ou seja, além de me entupir de comida, pagava caro por ela — duas compulsões que me acompanham.

2008

Me mudei para Brasília e lá passei a viver o oposto do que esperava. “Ah, eu vou poder caminhar no Eixão e comer bem, praticar ginástica olímpica e viver uma vida melhor”. Comprei um carro, almoçava lasanha congelada, entrei na ioga e meditava pensando no que comeria ao chegar em casa. Andei uma única vez no Eixão, numa corrida alcoólica.

77kg
O então motivador namorado virou um chato: cobrava que eu caminhasse diariamente no parque, anotando meus batimentos cardíacos, e os pusesse num caderninho. Fui duas vezes, com raiva. Um dia, chamou o garçom de volta e mudou meu pedido na padaria. Terminamos pouco depois e aí eu fui fundo na compensação. Eu tinha um emprego que me pagava bem e do qual eu saía às 15h, o que me dava tempo suficiente para… chegar em casa e ficar no computador direto até umas duas da manhã. Eu não tinha amigos. O delivery vinha e, se não viesse, minha quadra dispunha de uma torteria, uma temakeria, uma pizzaria e uma foccaciaria. Na mesma época, comecei a sentir um sono absurdo durante o dia, unhas quebrando e cabelo caindo, então resolvi consultar mais um endocrinologista. Dessa vez, ele achou algo: estava com hipotireoidismo e beirando os 80 quilos. Oitenta quilos, pra mim, era peso de homem forte, porém lá estava eu.

2010

Com o sobrepeso esmagando minha autoestima, achava que não era merecedora de atenção, que o que eu oferecia fisicamente era feio, querendo pedir desculpas a quem me desejava. Voltei pra São Paulo aceitando qualquer migalha de atenção, até que recebi uma herança em vida e decidi usar a meu favor:

  • me matriculei numa academia cara pra burro, onde fazia duas aulas de meia-hora por semana com um personal;
  • passei a assinar um serviço de entrega de refeições light e sem-graça;
  • comecei a fazer massagem duas vezes por semana.
2011

De fato, comecei a emagrecer, mas a um custo muito alto. Uma hora o dinheiro acabou e, sendo honesta, antes mesmo do dinheiro acabar eu já estava jantando delivery toda noite. Gendai e Toninho & Freitas pra aplacar dores como solidão, autoestima de merda e falta de direcionamento na vida. Segui assim por anos, com raros momentos em que me sentia mais forte e capaz.

Um dia, fiquei sabendo de uma dieta acompanhada de hormônio que estava fazendo o maior sucesso. Marquei uma consulta com o gastro das estrelas, e decidi fazer por 28 dias esse “tratamento”. Custava uma nota e eu podia comer pouquíssimo. Parei com os exercícios por conta dela e passei 28 dias infernais, sob a garantia de que eu nunca mais iria engordar na vida. Ao final, tinha emagrecido 5kg. E um ano depois eu estava 20kg mais gorda.

2013 — Um dia antes de começar o tratamento, eu fiz uma selfie com um pedaço de bolo.

Belezinhas de médicos:
→Teve um que me receitou Xenical, assim, na lata. Eu me consultei com ele porque desconfiava do hipotireoidismo.
→Teve a que fez carinhas felizes cor-de-rosa ao lado de cada resultado satisfatório do meu hemograma, e tristes nos que eu bombei. Ela me fez chorar na consulta.
→Teve uma que me receitou Sertralina e Sibutramina tudo junto e criou um monstro que não almoçava porque esquecia.
→O último que eu fui me pesou numa balança de pesar animais e falou que meus outros médicos não sabiam o que estavam falando. Nem lembro o que ele me receitou.

96kg
Parece que eu estava dormindo quando meu peso aumentou. Pensando bem, eu estava cuidando de coisas mais importantes, como uma depressão incapacitadora, que me custou um emprego bom e me rendeu pensamentos que eu espero nunca mais ter. Tomava (e ainda tomo, mas em menor dosagem) remédios fortes, passei a ocupar cada minuto do meu tempo comendo e, quando dei por mim, estava desse tamanho. Decidi procurar uma nutricionista que não fosse um satanás e achei a Carol. Da linha comportamental, Carol quis entender a minha ligação com a comida, e na hora sacou que ela era minha companhia, minha recompensa, meu lazer, meu hobby e meu relacionamento amoroso. Tudo eu compensava com comida, e por isso foi fácil de tratar. Mas não quer dizer que eu emagreci — só parei de comer 12 fatias de Pizza Hut de uma só vez, sentada no sofá.

Segui anotando meus sentimentos e indo na academia quando possível por mais um ano e pouco. Já tinha desistido de emagrecer, de me relacionar, de sofrer pra me achar bonita. Não via o meu corpo, então às vezes usava uma saia que marcava todas as celulites da minha bunda e me deixava atarracada porque: foda-se. Mas eu não estava segura comigo mesma, só estava cansada. Meu peso oscilava, mas não saía do lugar.

2017–36 anos e queixo duplo

Tatuí

Quando decidi me mudar para o interior, uma das coisas que mais me animou foi a possibilidade de ter uma rotina mais regrada em relação aos meus objetivos. Pois é, se você não percebeu até agora, eu ainda queria emagrecer. Infelizmente não fui agraciada com a confiança de me olhar no espelho e gostar do que vejo, então a saída, para mim, era mudar. Entrei na academia com uma semi-personal, duas vezes por semana, indo a pé até lá. Passei a fazer as refeições na casa da minha mãe, que cozinha com pouco sal e tem costumes como fruta de sobremesa e pão com manteiga no jantar. Mudei a frequência da academia para três vezes por semana, comecei a andar de bicicleta aos domingos.

Poucos meses depois, já tinham ido sete quilos, uma média de quatro centímetros a menos nas medidas, roupas gritando por um ajuste. Uma segurança ainda pequena, mas existente, ao me olhar no espelho passou a me acompanhar. Comecei a tomar sol e querer ficar bronzeada, coisa que nunca fiz. Tirei fotos da bunda e mandei para minhas amigas. Sinto que tenho poder sobre mim mesma, sem ter feito nenhuma privação.

Nenhum hormônio, nenhuma dieta maluca, nenhum corte de carboidrato, lanchonete da Tarsila ou João do Bauru às sextas (meu cheat day não-oficial), um docinho de sobremesa depois da laranja lima, lanche da tarde com pão francês e mortadela, massas maravilhosas feitas em casa pela minha mãe, aos finais de semana. Mas espera, vamos valorizar o que foi feito, também: porções do tamanho da fome, muito menos delivery na semana, refrigerante de vez em quando, caminhadas a pé. Ainda assim, zero sacrifício.

2017 — Em Tatuí

Eu não estou magra, nem acho que vá ficar. Mas estou mais tranquila, certa de que minha aceitação na vida não vai acontecer por ser gostosa. Eu vou continuar fazendo academia três vezes por semana até onde der, até meus outros planos entrarem no caminho. Há outras coisas em jogo, como a disposição, a capacidade de subir ladeiras sem morrer no topo e o efeito de tudo isso no tratamento da depressão e da fibromialgia. O resto eu vejo depois.

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