Ou piercing na Ouro Fino, ou carnaval em Ouro Preto

Bia Bonduki
4 min readJan 22, 2020

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Com 18 anos recém-completos, em fevereiro de 1999 eu tinha dois planos: fazer um piercing e passar o carnaval em Ouro Preto. O piercing era algo muito esperado, e se eu não fosse a mulher obediente que sigo sendo, teria feito logo aos 15, numa das escapadas que eu dava do consultório da dentista na Al. Ministro Rocha Azevedo, enquanto ela atendia o resto da família, para a Galeria Ouro Fino, na Augusta. Ir para São Paulo só para cuidar dos dentes e poder dar uma tour pelos Jardins, com direito a almocinho no Sushimar, era a vida que uma garota que relutava o título de patricinha, porém não fazia muito para não merecê-lo, pediu a Deus.

Já Ouro Preto era uma febre recente. Minha amiga Juliana, mineira, falava da festa como o carnaval dos carnavais. Bebedeira, lama, ladeira, garotos morando em repúblicas, nossa, era um sonho. (Escrevendo essa frase agora, fiquei um pouco atordoada de pensar que os componentes de um pesadelo na atualidade já foram coisas que eu almejei.) Pois bem, a Ju me deu todas as dicas — de que viação pegar a onde me hospedar — e eu convidei minha prima Isabela para viver essa aventura comigo.

Fiquei encarregada de resolver os trâmites, sempre botando a prima a par das decisões. Minha primeira resolução foi ligar para a República do Frango de um orelhão para fazer minha “reserva”. Pensando em retrospecto, eu duvido que nas muitas ligações que fiz pra lá (aumentando significativamente minha coleção de cartões telefônicos — os quais tenho até hoje) eu tenha falado com a mesma pessoa. Eu ligava e tirava dúvidas como uma pessoa que vai se hospedar no The Yeatman, e os caras deviam estar rolando no chão de rir de mim. Privilégio é uma bosta.

Claro que, mesmo maior de idade por questão de dias, eu precisava pedir autorização para os meus pais para viajar. Enquanto eu realmente não me lembro do que meu pai respondeu, minha mãe foi enfática:

— Ou você passa o carnaval em Ouro Preto, ou você faz o piercing. Que viajar com o umbigo furado vai dar inflamação. Você não sabe as condições do lugar onde vai ficar.

Ah, sim, vale dizer que pros meus pais eu contei que ia ficar na POUSADA do Frango, pra dar um toque mais comercial e menos colchonete-no-chão-da-sala.

Cara, pensando em retrospecto MAIS UMA VEZ, eu imagino que os caras da república deviam estar tipo lobo do Pica-Pau sabendo que duas gostosas iam passar o carnaval na sala deles. Meu Deus, a inocência!

Os caras da República do Frango

Mas, então, chegou o dia que a família se reunia anualmente pra comemorar os aniversários das parentes aquarianas, e foi quando minha prima decidiu contar pra minha tia que iríamos viajar. E foi quando minha tia respondeu com um sonoro:

— Há controvérsias! — Termo que aprendi naquele dia e uso até hoje.

Se as irmãs Bóris se juntam pra melar o seu rolê, acredite, elas conseguem. Assim, minha mãe me pediu o contato da tal “pousada” pra tirar umas dúvidas. Sentindo que minha trip ia miar, aproveitei uma ida a São Paulo para comprar as passagens de ônibus. Agora não tinha mais jeito, a gente ia ter que ir. Uma pinoia! Minha prima foi a primeira a pular fora alegando qualquer coisa que não “minha mãe não deixou”. E minha mãe, bom, descobriu onde que eu ia me hospedar.

Seria injusto dizer que minha epopeia acabou aí, afinal mamãe não vetou o passeio. Acho que ela pensou “Ah, a bonita quer fazer turismo universitário? Vamos ver o quanto ela aguenta”, prevendo que a Princesinha Grão de Ervilha aqui iria pular fora ao primeiro banho de chuveiro pingo-mestre de temperatura questionável.

Poxa, mas eu tinha acabado de voltar de intercâmbio, sabe, eu era uma cidadã do mundo!

Agarrada à minha decisão de, sim, viajar pra porra de Ouro Preto, convidei minha amiga Marcela para tomar o lugar da Isabela. A Marcela bem que tentou, mas foi só bola na trave. Eventualmente, acabei vendendo as passagens pra Juliana e sua irmã, que já eram muito mais versadas na arte do carnavalizar ouropretense.

Livre para voar, fui então fazer meu piercing.
Meu pai foi me buscar na porta da Ouro Fino e nem quis ver a obra de arte.
Em seguida peguei um Cometão em direção à minha cidade e tive que dar aula naquele dia, sem conseguir me mexer direito de tanta dor no furo.
Acho que mostrei o piercing pros meus alunos?
O carnaval daquele ano foi passado no clube da cidade, com o dinheiro que arrecadei fazendo pedágio, mentindo que havia passado na faculdade.

Que tempo bom, que não volta nunca mais…

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