Palafita Inn
Logo que estreou o documentário Crime Scene — The Vanishing at the Cecil Hotel, do Joe Berlinger, eu corri pro sofá pra assistir. O caso do desaparecimento e morte de Elisa Lam sempre me interessou, e saber mais sobre o hotel podre onde ela se hospedou seria perfeito.
Pois é, acabou que foi um flashback horrível. Tirando o fato do documentário em si ser arrastado e fora da realidade, conhecer a história do The Cecil me fez lembrar da vez em que me hospedei no horrendo White House, em Nova York. É disso que eu vou falar aqui.
Em 2007, eu era uma jovem ganhando rios de dinheiro como balconista de loja em uma estação de esqui nos Estados Unidos. E como toda jovem ganhando rios de dinheiro (se comparado ao que eu ganhava como redatora de agência publicitária), eu queria mais era ganhar o mundo, cidade por cidade. Aproveitei que minha amiga estava morando em Montreal para nos encontrarmos em NY e juntas explorarmos a metrópole.
Antes de prosseguir, vamos fazer uma tagcloud do que era moda naquela época: franja pesada, legging, sneakers, Gossip Girl, CSS, lomografia, fitinha no cabelo, new rave. A gente já se imaginava indo às melhores boates e apresentações de DJs internacionais. A gente ia comprar todos os lenços palestinos disponíveis na Urban Outfitters. A gente ia pra Williamsburg conhecer o berço do hipsterismo. A gente ia be a part of it. Compramos nossas passagens e eu fiquei com a tarefa de reservar um hostel, já que, embora milionária ,eu não tinha o menor interesse em dormir em lençóis minimamente decentes. Pelo menos era o que parecia, visto a pocilga que arrumei pra nos hospedarmos.
O White House foi indicação de um amigo de um amigo meu que também namorou outro amigo meu. "Ah, ele ficou lá e era super barato." PUDERA, mas, na época, saber que um lugar era barato era determinante. Reservei um quarto duplo e mandei as informações para minha amiga.
No dia que cheguei, tinha saído bem cedo do outro canto do país, e ainda não tinha conseguido nem tomar café da manhã. No estômago, só umas bolachinhas vagabundas que me deram no avião. Morta de fome, eu reagi com apatia à fachada medonha do lugar que seria minha casa pela próxima semana.
Entrei com minhas malas e fui fazer o check-in no balcão. Um velho de calça social e regata branca, um correntão dourado no pescoço, estereótipo do italiano novaiorquino, fez minha ficha e disse que minha amiga já havia chegado e me deixado um bilhete. Era um pedido de socorro, na verdade, e eu fui entender quando me virei, bem princesa, e perguntei onde ficava o elevador. You're adorable. Me apontaram uma porta corta-fogo que dava pra uma escada.
Em uma das minhas malas, havia um forno de pão, presente encomendado por minha mãe, e que eu não tinha mais onde enfiar até chegar no Brasil. E eu subi aquelas escadas arrastando DUAS malas, uma com o dito forno. Quando cheguei ao meu "quarto", me deu tela azul e eu só queria sair dali correndo.
Eis que de White House aquele lugar só tinha as alas. A leste, para moradores, e a oeste, viajantes. Ambas formavam um grande muquifo que, vamos falar a verdade, correspondia bem ao preço que eu estava pagando ($29 a diária, quarto duplo, $36,79 nos dias de hoje). As camas eram tábuas presas a paredes de madeira que formavam uma baia. Banheiro coletivo (2 privadas, 2 chuveiros). Colchão de sabugo. Você pode saber mais neste link. De posse do bilhete da minha amiga, fui encontrá-la e ela me levou pra comer alguma coisa até que a alma me voltasse ao corpo.
Sendo sincera, a gente aceitou essa condição de moradia por alguns dias, sempre fazendo o máximo de piada possível. Palafita Inn foi o nome que minha amiga deu ao lugar, e toda vez que a gente saía do quarto, uma virava pra outra e falava "Abaixa que tá tendo tiroteio!". Depois de um tempo dormindo NAQUILO, a coisa começou a pesar. Minha amiga já estava com as costas destruídas, e o ápice do nosso desespero foi numa noite em que fumávamos na calçada com um guia de hotéis de Manhattan na mão, procurando onde ir.
— Bia, seu pai não vai te negar dinheiro pra ficar num lugar melhor. — Meu pai nem imaginava que a brincesínia dele estava ficando num lugar imundo daquele.
Acabou que minha amiga decidiu voltar pra casa e eu fiquei por mais três dias.
Num deles conheci um cara que deu em cima de mim falando que Napoleon Dynamite tinha um humor específico, que ele precisava me ajudar a entender.
Na última noite, saí sozinha determinada a ir até uma boate me jogar, mas andei até a esquina e voltei pra dormir. Nessa mesma noite, um casal manteve o andar inteiro acordado enquanto transava.
Enquanto fazia o check-out, um dos gatos do proprietário vomitou na minha mala. Quem me avisou — percebi ao fazer minha pesquisa para escrever este post — foi este senhor aqui. Uma pena eu ter odiado tanto esse lugar para esse personagem, que de fato ficava cantando e rabiscando um caderninho no lobby, ter passado batido. Descobri também que, segundo o NY Times, esse lugar era um museu vivo de histórias tristes.
Ler essas matérias deu uma nova visão a tudo que eu reclamei nos parágrafos anteriores, mas o trauma, o trauma é eterno.