Eu já dei ao som dessa

Bia Bonduki
2 min readSep 9, 2020

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Houve uma época que eu gostava de dizer que meu coração tinha estado na UTI. Nada grave. Eu queria achar que estava sofrendo por amor, mas a verdade é que eu precisava de um livramento urgente, e eu me dei esse livramento coisa de meses mais tarde.

Aí sim meu coração foi parar na UTI. Nem sempre a gente dá conta do presente que é se libertar de uma história frouxa, e fica presa numa Síndrome de Estocolmo até se recuperar.

Do meio para o fim da tormenta, me sentindo um pouquinho mais forte, achei que era hora de botar meu coração novamente pra jogo. Fui atrás de uma história velha, ruidosa, uma coisa que nem devia ter começado. Dei para mim a alegria que é ficar imaginando à distância o que está acontecendo, em nome da reciclagem.

A Doralice, manicure da minha mãe, fazia uma brincadeira chamada Eu Já Dei Ao Som Dessa, que consistia em perguntar às clientes do salão se a música que tocava no momento já tinha sido trilha de alguma trepada delas. Algumas ruborizavam, outras participavam com gosto.

Numa tarde de sábado, no motel Pop da Raposo Tavares, o rádio embutido na cabeceira agraciou a mim e a essa velha chama com Brenda Russell — Piano In The Dark. Estávamos nos recuperando de uma rodada, e usamos o que nos sobrava de fôlego para cantar o refrão a plenos pulmões.

Meu coração guardou esse momento onde cabia.

I know I’m caught up in the middle
I cry just a little
When I think of letting go

Semanas após nosso último rendez-vous, recém-chegada a Madri, tive um torcicolo enlouquecedor. Fui dormir com raiva ao ver uma foto dele e descobrir que, bem, eu era a outra, e acordei daquele jeito. Psicossomático até o fim.

Encerrei o caso numa sessão de terapia, mentalizando essa história dentro de um saco de lixo cheio, descendo pelo elevador em direção à lixeira do prédio.

Quando ouço Piano In The Dark, prefiro pensar na brincadeira da Doralice.

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