Polaroide
Eu preferi me expor à fumaça tóxica que sobe das chamas que queimam uma polaroide do que guardar aquele memento. A lembrança do mal que me fez.
Serzinho sem caráter. Uma moral elástica, no limiar do criminoso. Fazia propostas irreproduzíveis, desrespeitava valores, limites, ligações. Eu sabia que aquele retrato era parte de uma futura vingança.
Uma prova concreta de como me humilhava, me dominava, me expunha, me machucava. Um registro indescritível. Imagine a posição mais vulnerável na qual você pode se colocar, e a fotografe. É dormindo com um olho involuntariamente entreaberto? São seus dentes sujos? Um close da unha que cresce após ser roída? O olhar revirado de um desmaio de embriaguez? Seja qual for sua posição mais degradante, a minha foi eternizada sob a desculpa de construir um portfólio de imagens de quem disse um dia amar, subjugada na rotina de seus relacionamentos. Era seu projetinho criativo.
Quando me vi livre das amarras psicológicas, foi meu primeiro impulso. Levei a polaroide à pia, acendi a chama do isqueiro e comecei a queimar um dos cantos. Com o calor, deixei a fotografia cair na cuba de aço e fiquei assistindo meu passado se desmanchar no fogo. Senti-me segura, novamente, não havia mais como me atormentar.
Quando os anos se transformaram em um punhado de massa distorcida, comecei a ficar sem ar, desatei a tossir, os olhos irritados. Achei que fosse catarse, mas descobri mais tarde que era intoxicação. Porém, se fosse esse o mal que precisaria enfrentar para aniquilar a existência daquilo em mim e nunca mais me colocar em situação parecida, colocaria meu nariz sobre os vapores e aspiraria fundo até perder a consciência.