A luz azul que tudo cura

O raciocínio foi o seguinte: estava conversando com uma amiga sobre os casos de pessoas relatando atraso na menstruação depois de tomar alguma dose da vacina. Comigo, pulou um ciclo e fiquei mais irritada do que temerosa — morar no interior, numa pandemia, depois dos 40 não é exatamente sexy. E foi daí que a conversa partiu.

Bia Bonduki
3 min readJan 31, 2022
do Flickr

Quando o assunto é menstruação atrasada, muitos se entreolham com os olhos arregalados e as laterais da boca repuxadas, numa expressão que diz "vem nenê por aí", como se ter filho fosse castigo. Como se fôssemos adolescentes, ainda. Porém, eu mesma tive esse nervoso somente duas vezes na vida. Uma, confesso, foi bobagem. Tomava pílula, usava proteção, mas comprei um exame na farmácia e fiz uma transmissão para o grupo de amigas do Whatsapp, só para contar que deu negativo. Já a outra vez…

No final da minha adolescência, saí um dia de uma consulta médica com uma receita de pílula anticoncepcional. Tinha ovário policístico e o uso do remédio prometia melhorar cólicas e acne, embora não fosse um caso muito grave. A recomendação da gineco era que eu começasse a tomar logo no primeiro dia do ciclo, então comprei a caixinha de Diane® e esperei o calendário da agenda apontar a semana mais provável.

Só que, nesse ínterim, eu dei um jeito de transar pela primeira vez. Em coisa de bem menos de 28 dias eu fui lá e dei. Podia ter esperado um minuto? Não, era naquele dia, o universo conspirava a favor. E por conta da grande emoção em minha vida, minha menstruação atrasou.

Alguma coisa me dizia que eu não estava grávida coisa nenhuma, porque seria azar demais engravidar logo na primeira vez de um cafuçu que me chamava de gostosura. Ah, vocês vão me perdoar, mas aquilo ali seria punição divina. Porém, 45 dias de atraso sob a espada dessa possível concepção é uma tortura que eu espero nunca mais viver. E, por isso, eu acabei ligando pro cara e contando o que tava acontecendo.

Falar pra ele não deu em nada, foi tipo falar pra parede — e eu não o culpo, eu realmente falei pruma parede. Então eu fui me consultar com minha amiga mais experiente, que me recomendou tomar chá de canela. "Faz descer rapidinho", ela garantiu. Foram semanas tomando esse chá após o jantar e nada. Minha tia, com quem eu morava na época, achou que eu gostasse da bebida e passou a me preparar uma xícara toda noite. Belezinha, mal sabia.

As dicas da amiga não tiveram efeito, então fui conversar com um outro rapaz com quem estava amasiada, este, um homem mais vivido (25 anos — eu tinha merda na cabeça). A dica foi tomar uma injeção de Ginecoside, que era o que a namorada dele fazia (sim, eu disse ali: amasiada). "Desce no mesmo dia", me disse a voz da vivência. Fui até a farmácia central, tomei a injeção e aproveitei pra fazer um segundo furo de brinco nos lóbulos. Se minha menstruação veio? Não.

Mais de um mês havia se passado, eu precisava começar o tratamento com a pílula e não aguentava mais a espera. Voltei à amiga experiente, que havia conversado com sua mãe, uma mulher tomada por um grave quadro de esquizofrenia, sobre o meu problema. A dica da genitora foi a seguinte:

"Esta noite, às nove, você irá imaginar uma luz azul no seu útero, enquanto reza um Pai Nosso. Eu estarei no centro espírita mentalizando a vinda das suas regras".

Confesso que depois dessa eu achei que era melhor marcar um retorno na ginecologista e abrir o jogo, capaz que eu estivesse mesmo grávida. Mas já era hora de dormir, achei que uma rezinha não faria mal. Me deitei, mentalizei a luz azul, recitei o Pai Nosso, peguei no sono.

No outro dia, acordei tomada pela onda vermelha. A situação era de alagamento na via. Tudo o que não veio com chá, injeção e pensamentos punitivos, se desprendeu do meu útero e desceu como uma enxurrada. Ah, esses termos te incomodam? Tenta ficar quase dois meses sem menstruar.

Agradeci mentalmente a mãe de minha amiga e tomei meu primeiro comprimido da cartela, para só parar quase 20 anos mais tarde.

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Bia Bonduki
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